27 maio 2011
A praça é nossa
Teatro Andante comemora 20 anos de trajetória dedicada ao contato democrático com o público. Grupo abriu mão da sede própria e dos compromissos burocráticos para se dedicar apenas à arte
Num fim de tarde, os integrantes do Teatro Andante se sentam na Praça da Papa – um de seus “palcos” – para relembrar a trajetória de 20 anos do grupo. A partir de amanhã, a data especial será comemorada com apresentações em BH e pelo Brasil. Ao fim da conversa, o ator e diretor Marcelo Bones conclui: “Esta entrevista jamais seria a mesma se não fosse aqui. Lá em nossa sala, seria outra coisa. Isso é legal, para ver como se dá o efêmero no teatro: só acontece naquela circunstância, daquela maneira”.
Dos cinco integrantes, apenas Gladys Rodrigues não participou da conversa, por estar envolvida com outro trabalho. Além dos fundadores Ângela Mourão e Marcelo Bones, Gladys está no Andante desde a primeira montagem. Glauco Matos chegou em 2003; Beto Militani em 2008. O elenco do Andante funciona assim: cada um a seu tempo, como lhe convém. “Aqui não tem ortodoxia. Na época em que criamos nossa última montagem, BarbAzul, o Marcelo estava fora do grupo”, lembra Ângela. Diretor de Artes Cênicas da Fundação Nacional de Artes (Funarte) durante dois anos, Bones se mudou de BH e se afastou – com direito a ata – do grupo. Quando voltou, todos o receberam de braços abertos.
Outra característica desses 20 anos: o Andante se permite deixar as coisas fluírem. Foi assim no pior – e melhor, segundo os atores – momento de sua história: a perda da sede própria. “Ele trouxe clareza sobre o que era o grupo. Não queríamos ser uma companhia grande, queríamos fazer teatro”, explica Marcelo. O ator e diretor lembra que sede implica ter mais funcionários, buscar patrocínios e se preocupar mais com produção, em detrimento do fazer teatral.
“O ruim foi sair da sede e deixar para trás um monte de arquibancadas, lugar para guardar figurinos e escritório montado. Isso deu sensação de vazio”, admite. O grupo manteve espaço próprio no Bairro Santa Efigênia e trabalhou na Funarte-MG, na Floresta.
Ideologia
O que, afinal, faz uma trupe teatral chegar a duas décadas de ofício? “Não sabemos responder a essa”, brinca Ângela Mourão. “A primeira coisa que vem à cabeça é como se manter financeiramente, mas essa situação variou muito durante 20 anos. O que nos une é a ideologia política, filosófica e artística. Isso faz as pessoas quererem estar juntas e passar por diferentes momentos, melhores ou mais difíceis, mas fazendo o que deve ser feito”, diz.
Foi depois de uma temporada na Europa que o Andante surgiu definitivamente. Marcelo e Ângela, que são casados, passaram meses no Velho Continente em contato com outros grupos debatendo as perspectivas de seu ofício. “Achamos muito legal o que vimos na Europa. Já havia um pouco do chamado Terceiro Teatro aqui no Brasil, mas lá eles faziam espetáculos de rua ou em pequenas salas com muito apuro técnico e pouca parafernália de cenários e luz. Isso permitia ao grupo andar, além de mostrar a excelência do ator em cena”, explica Ângela. “A gente não queria ser grupo comercial, nem de pesquisa, para iniciados. O Terceiro Teatro vem daí: apurado técnica e dramaturgicamente, pretende falar para todo mundo”.
Discurso
Por um triz, a primeira peça do Andante, foi encenada no início da década de 1990. Abordava uma questão crucial da agenda nacional: os direitos infantis. “Na época do massacre da Candelária, nosso espetáculo de rua discutia o problema da criança e do adolescente em situação de risco”, lembra Marcelo Bones. Palhaços encenavam aquela tragicomédia. “Eles começavam bem alegrinhos, mas iam contando as histórias de meninos indo para o lugar macabro dos garotos de rua”, relembra Ângela. O humor é importante ferramenta de trabalho, acredita o grupo.
“Nosso discurso teatral, o texto, nem sempre tem necessidade de ser explicitamente político”, observa a atriz. Musiclown, que ficou em cartaz durante oito anos, é exemplo disso. “Os palhaços tocavam e quase não falavam, mas era um gesto político, porque o apresentamos em muitos lugares e nunca cobramos ingresso”, informa.
A plateia está no centro das reflexões do Andante. “O teatro deve refletir sobre quem é o seu público”, diz Marcelo Bones, referindo-se ao fato de o Andante não se fixar no palco ou na plateia tradicional. “Essa discussão precisa ser feita na prática, não se limita à gente sentar e conversar sobre o assunto. Ela se dá pela práxis, pelo prazer de encontrar o público, outros grupos, outras pessoas, e a partir disso pensar sobre o que o teatro representa nesta sociedade tão fragmentada e, ao mesmo tempo, centralizadora”, conclui.
O Andante é uma trupe militante. “É importante para nós a participação política como grupo em instâncias do debate público”, conta Marcelo. Eles ajudaram a criar o Movimento Teatro de Grupo, em 1992, participam do Movimento Nova Cena de BH e já contribuíram com os projetos Redemoinho e Off. Também ajudaram a fundar a Rede Brasileira de Teatro de Rua.
O grupo se dedica à questão pedagógica. Todos os integrantes têm oficinas preparadas para adultos e crianças, abordando música, máscara, a arte do palhaço ou interpretação. “É muito clara a necessidade dessa atuação. Sempre procuramos nos relacionar com outros grupos e pessoas”, conclui Bones.